O beijo é próprio do Homem? Não, os chimpanzés e, em particular, os chimpanzés pigmeus, os bonobos, praticam o beijo – o toque dos lábios - como aliás também os mais diversos jogos eróticos, no quadro das suas relações sociais. Contudo, o Homem exibe uma diferença importante: os seus lábios são revirados para fora, exibindo a fina mucosa avermelhada.
Poder-se-ia pensar que se trata de um caracter sexual secundário selecionado pela evolução, quiçá relacionado com o sucesso reprodutivo. Nada disso; diz o zoólogo Desmond Morris que a razão é bem diferente, que decorre o facto de nascermos prematuros e com muitas características “larvares” (neotenias, diriam os sábios); portanto, nascemos com os lábios revirados para fora porque, à data, ainda não estavam acabados. Tão simples quanto isso!
Entre outras funções, os lábios são os principais atores do beijo. Em tempos recuados, as mães alimentavam os filhos pré-mastigando os alimentos e transferindo-os de boca a boca, e empurrando-os com a língua, como se observa nos chimpanzés. O contacto com a língua constituiria, portanto, um momento prazeroso, gerador de uma emoção positiva. Com a descoberta do fogo e a cozedura dos alimentos, esta prática terá deixado de fazer parte do cardápio comportamental dos humanos. Mas esta relíquia dos primórdios da hominização manteve-se, atravessou os milénios, carreando, segundo as épocas e as culturas, os dois significados, de amizade fraterna ou de amor: o beijo da “fraternidade socialista” de Leonid Brezhnev e Eric Honecker, tão publicitado à época, não terá tido o mesmo significado do beijo em Paris, imortalizado pela bela foto de Robert Doisneau.
Para além de exibirem as mucosas avermelhadas, em consequência da proximidade dos vasos sanguíneos à superfície de uma pele particularmente delgada, os lábios são acionados por 12 músculos dos quais o orbicular é o principal. Esta estrutura confere aos lábios uma grande plasticidade e faz deles um dos principais agentes da comunicação oral e mímica. A presença de um elevado número de recetores sensoriais subjacentes à película cutânea, adiciona-lhes um outro atributo: a sensibilidade ao toque e à temperatura.
Nos bastidores de um beijo amoroso a complexidade fisiológica é indescritível pois, para além de fazer intervir um número elevado de músculos (cuja coordenação cabe ao cérebro exercer), as mensagens nervosas emitidas pelos lábios desencadeiam um cocktail explosivo de neurotransmissores e de hormonas, e induzem a formação de imagens mentais eróticas e de reações físicas que, no essencial, nos passam despercebidas porque são processadas em zonas do cérebro das quais não temos qualquer “feedback” consciente, como o tronco cerebral e o sistema límbico.
A complexidade é ainda exacerbada quando ao beijo se adiciona a intervenção da língua (fazendo subir para 29 ou mais, os músculos implicados), as suas papilas gustativas e o epitélio olfativo; e não esqueçamos que as mãos não ficam quietas. O cérebro centraliza as informações relativas à temperatura, ao paladar, ao odor, ao aroma, ao tato e ao toque e aos movimentos do parceiro. Uma parte dessa informação é transmitida à zona cerebral que a localiza no “mapa geográfico” do corpo (córtex somatosensorial).
De início, o beijo gera stress que se traduz pela transpiração e aceleração do ritmo cardíaco; as veias dilatam-se e as faces ruborizam-se, a respiração torna-se irregular e profunda, as pupilas dilatam-se (razão pela qual há tendência para fechar os olhos nesse momento). Mas, uma vez o beijo iniciado, sobrevem a “descompressão” pela queda do teor cortisol (hormona do stress) e da subida da ocitocina, a hormona do bem-estar e da confiança. Concomitantemente, assiste-se à libertação de dopamina no tronco cerebral, o neuro-transmissor que ativa o desejo e intervém nos circuitos da recompensa (prazer).
Lembra-nos a antropóloga Helen Fisher que não podemos esquecer que, no ponto de vista biológico, o fim último do beijo e das permutas afetivas, é a reprodução. Todos estes mecanismos não foram criados e aprimorados simplesmente para o deleite dos homens e mulheres. Os genes têm sempre a sua fisgada; e essa é, indubitavelmente, a sua conservação pela perpetuação da espécie.
Compreende-se assim que, enquanto os amantes se beijam, os respetivos corpos não descansem; eles não “dormem em serviço” e procedem a um vasto leque de análises que informam sobre a compatibilidade do parceiro com vista à procriação. Não só o odor e o aroma são apreciados, mas também elementos que se permutam através da saliva e que informam sobre compatibilidade dos sistemas imunitários. Em média, em cada beijo, trocam-se 9 ml de água, 0,7 mg de proteínas, 0,18 mg de outros compostos orgânicos, 0,71 mg de lípidos diversos e 0,45 mg de cloreto de sódio. É igualmente permutado um número elevado de bactérias (muitos milhões!) pertencentes a 278 espécies diferentes, 95% das quais não são patogénicas para pessoas imunologicamente compatíveis.
Envolvidos pelas emoções inerentes ao beijo, os dois participantes não se apercebem do que se passa “nas suas costas”. Mas o resultado do escrutínio formula-se-lhes na mente em termos de gostar ou não gostar, de gostar mais ou menos, ou gostar muito ou nada.
Para além do prazer que proporciona e de todo o desencadear de emoções, o beijo encerra uma magia que pode vencer montanhas de resistências. Na verdade, entre os compostos orgânicos permutados pela saliva, figura uma hormona que no homem é mais abundante: a hormona do desejo... a testosterona!
A transferência de um “quanta” de testosterona do homem para a mulher pode ter um efeito mágico e anular instantaneamente qualquer hesitação!
Testosterona... a suprema magia do beijo!