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Alice Alfazema

Recortes do quotidiano: do meu, do teu, do seu, e dos outros.

Alice Alfazema

Recortes do quotidiano: do meu, do teu, do seu, e dos outros.

Uma pergunta por dia: Numa época de tanto conhecimento e de fácil acesso a uma "rede" de amigos, qual o porquê de haver tanta solidão?

23
Dez13

 

Ilustração Jane Spakowsky

 

És importante para ti, porque é a ti que te sentes.

És tudo para ti, porque para ti és o universo,

E o próprio universo e os outros

Satélites da tua subjectividade objectiva.

És importante para ti porque só tu és importante para ti.

E se és assim, ó mito, não serão os outros assim?

 

Tens, como Hamlet, o pavor do desconhecido?

Mas o que é conhecido? O que é que tu conheces,

Para que chames desconhecido a qualquer coisa em especial?

 

 

Álvaro de Campos

 

 

Uma pergunta por dia até ao final do ano, quem quiser responder esteja à vontade.

 

 

Alice Alfazema

Bonecas

22
Fev12

 

 

Já me perdi no tempo. Meus cabelos ficaram brancos e baços. Já brinquei com bonecas. Dei gargalhadas cristalinas. O tempo passou, e eu azedei. Criei nata, como um leite esquecido, coalhei. E o bolor veio, entranhando-se-me nos  ossos. Quero inverter isto, quero que a pele se alise, que os músculos voltem à sua rigidez original. Não posso, o tempo não me deixa. No entanto, a criança que brincou com bonecas, ainda mora em mim. Está no entanto escondida, tem medo de ser redescoberta, tem medo dos outros - não avança. Tento ir buscá-la. Recordo os laços azuis, e os folhos de seda. Lembro-me daquele véu que me cobria o cabelo, quando ia à missa dominical. Dos cachos de caracóis, feitos ao pormenor, que me adornavam os ombros. Dos vestidos leves. Da água de colónia. Do pó de arroz. Do cheiro dos bolos de canela. Do avental branco, e daquelas mãos sapudas que me abraçavam, quando eu precisava. 

 

 

 

 

Alice Alfazema 

A flor é minha

01
Ago11

 

Caminho do campo verde

estrada depois de estrada.

Cercas de flores, palmeiras,

serra azul, água calada.

 

Eu ando sozinha

no meio do vale.

Mas a tarde é minha.

 

Meus pés vão pisando a terra

que é a imagem da minha vida:

tão vazia, mas tão bela,

tão certa, mas tão perdida!

 

Eu ando sozinha

por cima das pedras.

Mas a flor é minha.

 

Os meus passos no caminho

são como os passos da lua:

vou chegando, vais fugindo,

minha alma é a sombra da tua.

 

Eu ando sozinha

Por dentro dos bosques,

Mas a fonte é minha.

 

De tanto olhar para longe

Não vejo o que passa perto

Subo o monte, desço o monte

Meu peito é puro deserto.

 

Eu ando sozinha,

ao longo da noite,

Mas a estrela é minha.

 

 

 

Cecília Meireles

 

Por mais que andemos sozinhos, a estrela é sempre nossa...

 

 

Alice Alfazema