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Alice Alfazema

Recortes do quotidiano: do meu, do teu, do seu, e dos outros.

Alice Alfazema

Recortes do quotidiano: do meu, do teu, do seu, e dos outros.

Gravidezes adiadas

19
Jun14

 

Ilustração Kai Pannen

 

E assim alguém denunciou que algumas empresas andam por aí, neste nosso país ainda sumariamente patriarcal, a obrigar as mulheres a assinar papéis em que devem de adiar gravidezes indesejadas empresarialmente. Durante um dia, enquanto a notícia esteve na página de jornais, as vozes soaram indignadas, depois calam-se, como se as notícias fossem assim um prato de cereais com leite que se acaba quando se come e se fica satisfeito. Fico a pensar quantos factores serão ignorados neste prato de cereais? 

 

Ainda há poucos anos tínhamos horários que nos proporcionavam momentos familiares, tão importantes para o crescimento saudável e emocional de uma criança. Hoje cada vez mais crianças estão em casa sozinhas, presumo que não seja necessário demonstrar em estudo o que isso significa, basta por uma pequena quantidade de massa cinzenta a funcionar, neste momento tenho dúvidas da cor... 

 

Continuando com a teoria dos cereais, onde trabalham as mulheres em Portugal, a grande maioria no sector primário, baixos salários, horários de merda, fins de semana incluídos, acrescentemos-lhes as tarefas domésticas que ainda constituem um legado patriarcal em muitos lares. 

 

São estas empresas o cerne desta questão?  Ou será toda uma sociedade desinteressada pelo outro? Baseada em legados mais morosos que a Monarquia, estamos assim como numa questão de sobrevivência entre o ser e o ter.

 

É claro que para uma pequena camada da população isto não quererá dizer nada, existe liberdade de actuar de ser e de estar, mas para tal existem também outros factores que são cruciais à sobrevivência de um país, não apenas a economia, a produção, mas e também a motivação emocional que pretende fazer de nós seres iguais em liberdade de escolhas. Uma mais um são matematicamente dois, mas podem ser três se os factores forem diferentes. 

 

A certeza de tudo é um mal que nos assola, que não podemos fazer diferente, a questão de ser tudo matematicamente possível é-nos caríssimo para que estejamos bem cotados em tudo o que é mercado, importância vital para a morte ou para a vida?

 

Restará interesse em ludibriar esta questão, como se ela se resumisse a meras empresas, quando todos sabemos que também o Estado contribui para a cultura de gravidezes indesejadas, cuspimos para o ar e ficamos a ver se vem vento a favor. Ficamos indignados por um dia, nem mais, porque o tempo urge, temos que caminhar, caminhar como se o tempo retornasse a outra época, mas agora numa de escravidão psicossomática.

 

 

 

Alice Alfazema

40 anos de Abril

24
Abr14

Hoje é véspera de Abril, daquele de 74, do século passado, do milénio passado, aquele de há quarenta anos. Os cravos estariam murchos se resistissem até hoje, mas os cravos renovam-se, vermelhos, a cada ano. 

 

Naquele tempo eu era pequena, tinha ainda mãos pequeninas, não sabia de nada, apenas ouvia conversas e músicas que se repetiam. Nesse dia lembro-me da mão da minha mãe apertando a minha, com força, não pude subir a ladeira a correr e fomos para casa, os vizinhos vieram conversar e contar as notícias daquilo que acontecia.

 

Hoje eu sei que ganhei. Como mulher ganhei um outro papel social, ganhei escolhas que posso fazer sem pedir autorização. A sociedade modificou-se, apesar de ainda existirem raízes que querem florescer, no entanto, agora podemos escolher, podemos mudar, podemos se quisermos!  E isso é Abril!

 

 

Alice Alfazema

Uma pergunta por dia: Que tipo de sociedade temos em Portugal?

29
Nov13