Ilustração Beatrix Papp
Hoje quando ia caminho de casa vi um vulto a correr para uma carrinha, daquelas de transportes escolares, assustei-me e não percebi logo o que se passava. Era uma mulher. Uma mulher de burca negra, que conforme corria levantava as saias e deixava ver umas vestes coloridas por baixo daquele negrume.
Um coisa é vermos fotografias destas vestes, outra é vermos ao vivo e a cores. É uma realidade e um fardo para muitas mulheres. Não creio que se goste de andar assim vestido de livre vontade, é antes um hábito imposto. Pensei na pessoa que conduzia a carrinha e que lhe ia entregar o filho. Como podemos entregar uma criança alguém a quem não vemos a cara. Será a pessoa certa, pode ser qualquer um. Faz-me confusão.
Pensei na mulher, reduzida a uma coisa, sem sentir o sol na cara, sem se mostrar, como se fosse um monstro. Que agonia, termos o nosso corpo refém da vontade dos outros. Tal qual um pássaro numa gaiola vendo os outros voarem.
E ficou-me na memória a imagem da mulher a correr com aquele manto escuro, que deixava apenas os olhos de fora, mas que ao correr o vento deixou antever um colorido tão bonito por baixo daquele negrume.
Tal como a vida cheia de camadas, fases de lua e dias de sol, o vento, o frio, a chuva e o calor, tudo num breve passo de corrida.