Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Alice Alfazema

Recortes do quotidiano: do meu, do teu, do seu, e dos outros.

Alice Alfazema

Recortes do quotidiano: do meu, do teu, do seu, e dos outros.

sementes abertas ao vento

2022

21
Mar22

orquidea1.jpg

 
A verdadeira mão que o poeta estende
não tem dedos:
é um gesto que se perde
no próprio acto de dar-se
O poeta desaparece
na verdade da sua ausência
dissolve-se no biombo da escrita
O poema é
a única
a verdadeira mão que o poeta estende
E quando o poema é bom
não te aperta a mão:
aperta-te a garganta
 
Poema de Ana Hatherly
 
 

orquidea.jpg

 
 
Peço a paz
e o silêncio
A paz dos frutos
e a música
de suas sementes
abertas ao vento
Peço a paz
e meus pulsos traçam na chuva
um rosto e um pão
Peço a paz
silenciosamente
a paz a madrugada em cada ovo aberto
aos passos leves da morte
A paz peço
a paz apenas
o repouso da luta no barro das mãos
uma língua sensível ao sabor do vinho
a paz clara
a paz quotidiana
dos actos que nos cobrem
de lama e sol
Peço a paz e o
silêncio
 
 
Poema de Casimiro de Brito

11
Mar22

IMG_20220226_111741.jpg

 
escrevo-te deste tempo ausente
com pupilas dilatadas.
escrevo-te quase só, exausto,
quase cego, quase louco.
ninguém escuta a minha voz sobre as ruínas,
o grito, a dor, nada.
há um poema que atravessa os muros,
um nó que se aperta na garganta,
um silêncio que entardece
quando todos partem.
sou, talvez, um caminhante solitário
pelas estrelas sem nome.
aquele que caminha quando todos dormem
fechando todas as portas
que o tempo não apaga.
 
Poema Paulo Eduardo Campos
 
Escrevo deste tempo em que tínhamos quase tudo para começarmos um mundo melhor. No entanto, no dia a dia a Paz não é interessante o suficiente para que haja ambição para o fazer. 
Escrevo deste tempo que continua como há cem anos em que a coragem de fazer a guerra vive encavalitada na mentira, podíamos até parodiar as cinco horas de conversações entre os dois velhos ursos, qual marretas num qualquer camarote de um teatro famoso, dois velhos que se aproximam do final, caquécticos e loucos julgando-se poderosos, quem protege os loucos? deste tempo que vos escrevo, quem lhes dá o poder, quem lhes irá retirá-lo? Deste tempo que vos escrevo espero não ter muito por recordar. 
 

Caminhadas

P.N.A.

19
Fev22

IMG_20220213_142351.jpg

Por estradas de montanha
vou: os três burricos que sou.
Será que alguém me acompanha?

IMG_20220213_120705.jpg


Também não sei se é uma ida
ao inverso: se regresso.
Muito é o nada nesta vida.

IMG_20220213_121303.jpg


E, dos três, que eram eu mesmo
ora pois, morreram dois;
fiquei só, andando a esmo.

IMG_20220213_142452.jpg


Mortos, mas, vindo comigo
a pesar. E carregar
a ambos é o meu castigo?

IMG_20220213_122017.jpg


Pois a estrada por onde eu ia
findou. Agora, onde estou?

Já cheguei, e não sabia?

IMG_20220213_121357.jpg


Três vêzes terei chegado
eu – o só, que não morreu
e um morto eu de cada lado.

IMG_20220213_124515.jpg


Sendo bem isso, ou então
será: morto o que vivo está.
E os vivos, que longe vão?

IMG_20220213_124358.jpg

Poema de Guimarães Rosa

Caminhada pelo Parque Natural da Arrábida

Fôlego

16
Fev22

IMG_20220216_175453.jpg 

É preciso remar.


O mar ensina.
Paciência aos que tem pressa.
Equilíbrio para os que já caíram mas não deixaram de remar.
Para ganhar o mar é preciso perder o medo e manter o respeito.
Mas é preciso remar.

O mar ensina.
É possível encontrar liberdade em suas correntes.
Mas é preciso remar.


O mar ensina.
A maré de sorte só chega para quem um dia entendeu que os ventos sempre mudam de direção e não deixou de remar.
Porque ninguém aprende a nadar na areia.

O mar ensina.
Mas é preciso remar.
Eu só peço fôlego para vencer a arrebentação e entender que isso não significa competir com o mar.
Eu peço fôlego para receber o mar.
Basta perceber a entrada, pedir licença e ai sim, ser recebido pelo mar aberto.

Fôlego.
Eu peço fôlego para lembrar que ondas e lágrimas são feitas de água salgada.
Fôlego para transformar tristeza em mar.
E se o caminho for longo fôlego para remar na volta
Fôlego para voltar a remar.

 

Poema Allan Dias Castro

Para ouvir: