Desnascer
Fotografia Daisy Gilardini
Morrer: talvez seja apenas
perder forma e contornos
desfazer-se, ser
sugada para dentro
do útero vivo,
matriz de deus
mãe: desnascer.
Poema de Maria-Mercè Marçal
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Fotografia Daisy Gilardini
Morrer: talvez seja apenas
perder forma e contornos
desfazer-se, ser
sugada para dentro
do útero vivo,
matriz de deus
mãe: desnascer.
Poema de Maria-Mercè Marçal
Há dias em que penso que já nasci velha e que apenas a Natureza me conseguiu sempre surpreender, todas as outras situações societais são assim como que uma simples confirmação daquilo que conheço, umas vezes a uma escala mais pequena, outras numa maior. Como se fossem ciclos viciados no tempo, em analogias de diferentes cenários, assim como na matemática. Numa sequência interligada de factores e indicadores que juntos dão origem a conclusões que já foram validadas em diversas ocasiões no tempo e na sociedade.
Hoje o dia amanheceu branco gelo, as folhas congeladas limitavam-se a deixar passar o tempo. Algumas gralhas faziam barulho sem no entanto voarem. O som parecia abafado de todo o lado. Coloquei a máscara para poder caminhar mais confortável, não que houvesse alguém por perto, mas para me proteger do frio gélido que me entrava garganta abaixo, só conseguia caminhar depressa engolindo golfadas de ar que me faziam arrefecer o estômago. Queria tirar fotografias àquela paisagem surpreendente, onde os cristais de gelo tomavam formas inesperadas, mas não me atrevi a tirar as mãos dos bolsos. Nem o caminho me aqueceu as pernas. Agradeci, não ter cortado o cabelo, e ajeitei algumas madeixas de modo a tapar as pontas das orelhas. Salvou-me ter-me aventurado a usar uma boina de lã que roubei à minha filha. Uma estreia para mim. Senti-me uma espia francesa que vagueava apressadamente até ao comboio.
Ilustração Christian Asuh
Apesar de haver invernos verbais a primavera está ao alcance de qualquer um.