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Alice Alfazema

Recortes do quotidiano: do meu, do teu, do seu, e dos outros.

Alice Alfazema

Recortes do quotidiano: do meu, do teu, do seu, e dos outros.

Azul cristal

24
Jun21

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Ilustração  Mariateresa Quercia

Ter alguém que nos escute e que oiça as nossas palavras é talvez o mais puro azul encontrado entre o ente e o ser, é algo tão cristalino que temos dificuldade em percebe-lo, e por vezes quando nos somos apresentados nem damos por isso tal é a transparência do encontro. 

 
Ouve-me: preciso de um amigo que abane o (meu) mundo.
Não sei se escutaste bem: tem de ter um coração de ave,
mas o seu grito contra o mal tem de ser forte como trovão.
Se eu cair, há-de levantar-me como se eu fosse pluma.
Soprará nas minhas feridas e a minha dor passará como nuvem.
Sempre quis um amigo assim.
Quando a solidão me fechava num quarto, ele abria janelas.
Se as lágrimas rolavam porque alguém partira, bebia-as como licor.
Sabia que voltava para o seu país quando há muito os meus olhos dormiam.
Disse-me num por do sol que chegaria um dia em que eu não daria pela sua
ausência.
Ficaria a vigiar-me do seu país e daria recomendações às estrelas, à lua e aos peixes.
Faltou uma manhã e não mais voltou.
 
 
 
Poema de Lília Tavares
 
 
 

Observar

05
Mai18

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Quero voar com as fadas

nas nuvens que são almofadas

dos que gostam de sonhar,

vaguear pelo espaço

envolver no meu abraço

aquele que está a chorar;

 

 

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Voar sobre os continentes

observar as diferentes gentes

que não param de labutar,

tristes ou sorridentes

ricas ou indigentes

fazem o mundo avançar;

 

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Voar e ter a ousadia

de procurar noite e dia

os jardins da felicidade,

mostrar a quem quiser ver

que nada tem a perder

o que vive com verdade;

 

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Quero com os anjos voar

ir com eles visitar

estrelas e constelações,

trazer desse pó sagrado

que não há em nenhum lado

para aquecer corações;

 

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Quero voar, voar, voar

quero voar sem parar...

 

 

 

 

 Poema Malik

 

 

 

 

 

Alice Alfazema

 

 

 

Entre a aguarela e a poesia

08
Abr17

 

Tenho em casa um piano azul

E não conheço uma só nota.

 

Ele fica no escuro à porta do porão,
Desde que o mundo decaiu.

 

Tocado a quatro mãos-estelares 
– A mulher-lua cantava no barco –
Hoje os ratos dançam sobre as teclas.

 

 

O teclado está quebrado…
Eu choro pelos mortos azuis.

 

Ah anjo amado 
– eu comi do pão azedo –
Enquanto ainda estou viva 
Eu lhe peço – embora seja proibido –
Abra pra mim as portas do céu.

 

 

Ilustrações Victoria Kirdy

 

 

Poema de Else Lasker-Schüler (1869–1945), poeta alemã e judia. Viveu em Berlim até à chegada de Hitler ao poder, em 1933.

 

 

 

 

Escorrem as cores vivas e alegres pelo pincel, onde se desenham cenas alegres e tranquilas, escorrem palavras negras cobertas de desespero, descem pela caneta que treme na mão. No mundo escorrem lágrimas nos rostos sujos que transmitem o medo, que mostram a fome. Escorrem laivos de loucura naqueles que olham para o lado.

 

Alice Alfazema