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Alice Alfazema

Recortes do quotidiano: do meu, do teu, do seu, e dos outros.

Alice Alfazema

Recortes do quotidiano: do meu, do teu, do seu, e dos outros.

Dezembro

2020

01
Dez20

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O primeiro dia é sempre de admiração, depois de dividirmos os meses em montinhos de trinta, ou mais ou menos trinta. Como se os dias ficassem mais leves de contar se estiverem agrupados em prateleiras certas e quase iguais. E os últimos trinta e um do ano chegaram. Parecem-me os restos de um café com leite que ficou no fundo de uma caneca,  e que alguém te obriga a beber tudo até ao fim, já frio, com migalhas ensopadas. Toma lá o resto, vá só falta isso, mais um golo, depois podes ir à tua vida. 

Lá fora os gnomos trabalham rápido, para que nenhuma brincadeira fique esquecida. Um deles é redondo e tem muitos picos, anda por aí desvairado, louco para alcançar o mais distraído. 

 

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Entremos, apressados, friorentos,
numa gruta, no bojo de um navio,
num presépio, num prédio, num presídio,
no prédio que amanhã for demolido…
Entremos, inseguros, mas entremos.
Entremos, e depressa, em qualquer sítio,
porque esta noite chama-se Dezembro,
porque sofremos, porque temos frio.

 

Entremos, dois a dois: somos duzentos,
duzentos mil, doze milhões de nada.
Procuremos o rastro de uma casa,
a cave, a gruta, o sulco de uma nave…
Entremos, despojados, mas entremos.
Das mãos dadas talvez o fogo nasça,
talvez seja Natal e não Dezembro,
talvez universal a consoada.

 

Poema de David Mourão-Ferreira, in ‘Cancioneiro de Natal’

 

As ilustrações são de Briony May Smith

 

Dezembro - Dia 2 - Saudades

02
Dez19

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Ilustração  Sylvie Bulcourt

 

 

Se eu pudesse contar as saudades, não saberia dizer o número certo, porque me perderia. Saudades de mim, saudades do tempo, dos risos, dos afectos, daqueles abraços sedosos e do cheiro da casa cheia, da canela e do açúcar amarelo, do cheiro do café acabado de fazer, quente como o coração da gente.

Dezembro - Dia 1 - Alegria

01
Dez19

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Ilustração Catherine Chauloux

 

Alegria talvez seja a alavanca que precisamos para mudarmos, o gesto estaminal que possuímos para desvanecer o horizonte sombrio. Dezembro é um mês sombrio, de magoas, e devaneios saudosos, pode ser lembrança dura, pode ser saudade pura. Começar Dezembro sem lembranças é talvez a mais débil existência. Relembrar momentos equivale e uma doce percepção daquilo que vale a pena.

 

Dezembro desatento, Dezembro manso, Dezembro de desgostos e gostos.