Estranha árvore de filhos
Fotografia de Helen Sear
Talvez este poema explique a ligação às árvores, à terra, ao infinito.
Corpo já lavrado
equidistante da semente
é trigo
é joio
milho híbrido
massambala
resiste ao tempo
dobrado
exausto
sob o sol
que lhe espiga
a cabeleira.
O ventre semeado
desagua cada ano
os frutos tenros
das mãos
(é feitiço)
nasce
a manteiga
a casa
o penteado
o gesto
acorda a alma
a voz
olha p'ra dentro do silêncio milenar.
(Mulher à noite)
Um soluço quieto
desce
a lentíssima garganta
(rói-lhe as entranhas
um novo pedaço de vida)
os cordões do tempo
atravessam-lhe as pernas
e fazem a ligação terra.
Estranha árvore de filhos
uns mortos e tantos por morrer
que de corpo ao alto
navega de tristeza
as horas.
O risco na pele
Acende a noite
enquanto a lua
[por ironia]
ilumina o esgoto
anuncia o canto dos gatos
De quantos partos se vive
para quantos partos se morre.
Um grito espeta-se faca
na garganta da noite
recortada sobre o tempo
pintada de cicatrizes
olhos secos de lágrimas
Dominga, organiza a cerveja
de sobreviver os dias.
Ana Paula Tavares
Alice Alfazema