Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Alice Alfazema

Recortes do quotidiano: do meu, do teu, do seu, e dos outros.

Alice Alfazema

Recortes do quotidiano: do meu, do teu, do seu, e dos outros.

Daqui até ao Natal - 9

27
Ago24

IMG_20240629_140742.jpg

Ultimamente tenho comido batatas doces fritas em rodelas finas, polvilhadas com sal e folhas de orégãos, são feitas cá em casa e deixam no ar o seu cheiro adocicado.

Lembro-me da minha mãe fritar as batatas brancas em rodelas finíssimas e estaladiças, de fritar batatas doces em rodelas, depois polvilhá-las de açúcar amarelo e canela, e do açúcar derreter, enquanto as batatas estavam quentes, e misturar-se com a canela, formando pequenos riachos castanho escuro, no fundo da travessa, que serviam para molhar as últimas, ou pincelar a ponta dos dedos para depois levá-los à boca na maior gulodice. Das grandes tortilhas de crosta dourada, generosamente recheadas de batatas às rodelas e salsa finamente picada. E das rodelas grossas de batata branca a acompanhar o peixe cozido ou a caldeirada, as quais eu esmagava com o garfo junto com o azeite ou com o molho do peixe, fazendo montes generosos e aveludados, porque as batatas desfaziam-se sempre a cozer "estas batatas desfazem-se logo", não que fosse por esquecimento do tacho ao lume, mas antes pela culpa da batata. E houve depois um tempo em que eu pedia batatas  fritas às tiras, mas porquê? não gostas às rodelas? eu gosto, mas o bife come-se com batatas às tiras, toda a gente come assim, mas eu não gosto de fazer assim.

Daqui até ao Natal - 8

26
Ago24

IMG_20240630_174757.jpgHoje de madrugada houve um sismo, eu não senti nada, a vizinhança diz que sentiu-se, e bem, e fico assim a pensar (mais uma vez), de repente podemos passar a um nada.

Incrível como as ideias e as emoções se cruzam em actos opostos, faz hoje anos que fui mãe pela primeira vez, um abalo sísmico no corpo de qualquer mulher - daquelas que menstruam, como agora se diz -, a seguir são réplicas e réplicas, por mais anos que passem, aquela sensação de vermos a criançola que era o nosso filho não passa, tal como um fio de teia de aranha, invisível, mas presente, às vezes cheio de orvalho e luz, resistente e leve ao mesmo tempo. Assim é o amor. 

Daqui até ao Natal - 7

25
Ago24

IMG_20240725_110329.jpg 

Se tudo que se pode revestir
da couraça inconsútil da palavra
fosse algo mais que um vácuo protegido
[...] falar seria sempre dizer,
dar nome à coisa não seria mais
que ver na superfície da semente
a planta por nascer; e a sensação
incômoda de estar a todo instante
em algum lugar – isso seria ser.


Paulo Henriques Britto, in Dos nomes 

 

Na verdade nunca entendi o menosprezo, de algumas pessoas, pelas pequenas coisas que nos acontecem no dia a dia, não fossem esses momentos os verdadeiros alicerces daquilo que nos sustem. O ridículo é chegar-se à recta final e ver que afinal os clichés são um padrão pelo qual temos de passar, por mais que alguém queira ser especial e único. 

O que é ser-se especial e único? É complicar, problematizar as escarpas das horas vagas? Tal e qual como o feitio especial, termo que geralmente se usa para definir e desculpar uma pessoa bera. E mais - a frontalidade, tema muito em voga, igualmente disfarçada de linguajar bruto, sem olhar a meios, como se os meros ouvintes fossem todos estúpidos. 

De repente torna-se ridículo quem não é especial, quem não responde, como se o silêncio não fosse ele também um cliché.

 

Daqui até ao Natal - 6

24
Ago24

IMG_20240824_093019.jpgEu quando sinto saudades daqueles que já cá não estão, vou visitar os sítios que me falam deles, pode ser uma rua, uma praia, um barco, um conjunto de  azulejos...fico ali a olhar e a imaginar o que poderiam ter visto e o que sentiram, a tentar saber quais foram os pormenores que mais lhes chamaram a atenção, é como se ainda houvesse aquela energia - conhecida - na brisa que passa levemente, ou no calor do sol que me aconchega. E é só.