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Alice Alfazema

Recortes do quotidiano: do meu, do teu, do seu, e dos outros.

Alice Alfazema

Recortes do quotidiano: do meu, do teu, do seu, e dos outros.

50 anos de Abril

Celeste Caeiro

30
Jan24

 

 

Vieste Celeste, assim na aragem

Tal como um astro, astro iluminado

E a tua passagem fosse ela já escrita

Por alguém que dita, com divina mão

25 de Abril - Alice Alfazema

De passo apressado, com os cravos nos braços

Os olhos no largo, o olhar fitado

Fizeste dos cravos o símbolo maior

O símbolo sagrado

25 de Abril - Alice Alfazema

De cravos ao colo, vai tão intrigada

De olhos pasmados, olhando os soldados

De tanques na rua, enchendo a cidade,

Enchendo a cidade que te pertencia

25 de Abril - Alice Alfazema

Quiseste saber o que ali faziam

O que ali faziam de armas parados

E ao responderem armaste-os de cravos

Fizeste poesia

25 de Abril - Alice Alfazema

Vem do firmamento por obra divina

Celeste ladina de cravos aos molhos

Que a guerra dos homens também se ajardina

Para ser menos negra à luz dos seus olhos

25 de Abril - Alice Alfazema

E foram espalhando, assim os teus cravos

Assim os teus cravos, fuzil em fuzil

Num gesto que foi assim replicado

Assim replicado por toda a cidade

25 de Abril - Alice Alfazema

Adultos crianças, homens e mulheres

Já em liberdade, já em liberdade

Espalhando fragrâncias e a rubra cor

A rubra cor dos cravos de Abril

25 de Abril - Alice Alfazema

E vão se espalhando, assim os teus cravos

Assim os teus cravos, de Abril em Abril

Num gesto que é assim celebrado

Assim celebrado por todo o país

25 de Abril - Alice Alfazema

Adultos crianças, homens e mulheres

Homens e mulheres, soldados, civis

Espalhando fragrâncias e a rubra cor

E a rubra cor dos teus cravos de Abril

25 de Abril - Alice Alfazema

Foi do firmamento, por obra divina

Celeste ladina, dos cravos aos molhos

Que todo o Abril ainda ilumina

Para espantar o negro que nos surja aos olhos

25 de Abril - Alice Alfazema

Rogério Oliveira-voz

Marco Ferreira-piano

Isa Peixinho-flauta transversal

Letra e Música de Rogério Oliveira

Arranjo e direção musical de Marco Ferreira

Produção de José Salgueiro Álbum “Génese” Boémia 2023 

 

Sensação

14
Jan24

Sinto-me assim uma coisa preciosa, fora do tempo, deslocada nas palavras, sabedora de outros saberes, por enquanto sem importância, sou como aquela mobília de outra época e de outras emoções, coisas vividas ao relento, nas margens de um rio, sob as estrelas, ao frio, ao calor sem protector solar, comendo iogurte com colheradas de açúcar, saboreando o granulado doce que se colava à língua, beijos mornos no areal escaldante, sapatos únicos, não no sentido de exclusivos, carcaça estaladiça com manteiga feita com natas do leite trazido pelo leiteiro, gritos na rua, risos sem remorso, alcunhas que faziam sentido, coisas sem sentido que tinham graça, a graça dos dias compridos desprovidos de ausências. 

Sinto-me coisa de museu, de palavras em desuso, de colheitas de alfarrobas e de subidas a montes de amêndoas colhidas com casca mole e casca dura, a pinhões rachados na pedra debaixo de grandes pinheiros mansos, a estradas ladeadas de grandes árvores, a sombras frescas e amoras doces cheias de poeira dos caminhos feitos de areia e pedra miudinha. 

Sinto-me antiga, quase com pele de seda, fazendo lembrar o papel de cetim, canetas de bico fino escrevendo em páginas de papel de linhas azuis, com cuidado para não as perfurar, cuidando da letra e do erro para não ter que as amarrotar e deitar fora.

Sinto-me fora de moda, porque parece-me que já usei tudo, que não há nada novo ou desconhecido, coisas de riscas e de quadrados, de folhos e de plissados, franzidos e curtos, compridos e berrantes.

Sinto-me cheia, de tudo e de nada, uma coisa estranha, mas conhecida, calma, mas desesperante, eu mesma, mas não eu de sempre, mas a de agora, e sabe-se lá mais o quê, assim como peça de museu, avistada, olhada com interesse, mas sem se saber bem o que é.

Época oficial

10
Jan24

 

Ilustração Marie-Eve Tremblay

“A primeira taça humedece os meus lábios e garganta;
A segunda taça quebra a minha solidão;
A terceira taça procura as minhas estéreis entranhas, mas para ali encontrar cerca de cinco mil pergaminhos;
A quarta taça levanta uma ligeira perspiração e todas as iniquidades da vida se dispersam pelos meus poros;
A quinta taça purifica a minha carne e ossos;
A sexta taça abre o reino dos imortais;
A sétima taça não poderia ser bebida, só a leve brisa sobe nas minhas mangas”.

Poema  Lu Tong

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