Ilustração Egle Plytnikaite
Hoje assisti a algo surpreendente, uma semente de sonho.
À hora de almoço, decidi ir ver o rio, como já tenho dito gosto de ver o rio em dias de mau tempo, gosto especialmente de comparar a cor da água com a do céu, as matizes cinzentas que se desdobram multiplicando-se até sermos incapazes de as contar.
Foi uma visita rápida, um toca e foge, havia alguns homens à pesca à linha, vi que a relva do jardim estava crescida deixando ver os trevos e os dentes-de-leão em pleno fulgor, não tive tempo de encontrar um trevo de quatro folhas, começou a morraçar e tive de abrir o guarda-chuva.
Apressei o passo pois a hora do almoço passa rápido, na minha frente ia uma mulher com uma miúda pequena pela mão, talvez com quatro anos, cabelo loiro penteado num rabo-de-cavalo minúsculo espetado no alto da cabeça, trazia vestido um casaco polar cor-de-rosa que lhe dava até ao joelho, eu na pressa nem tinha dado conta que ela me fazia adeus, em passo apressado alcancei-a depressa e mais uma vez ela voltou-se para trás para me fazer adeus, retribuí sorrindo, mas depois lembrei-me que tinha a máscara na cara, levantei a mão e acenei-lhe de volta, verifiquei que ficou feliz com o meu gesto. Entretanto, tínhamos chegado perto da passadeira, aproximou-se uma senhora para também passar a estrada, a miúda puxa a mãe para perto da mulher, e sem nunca largar a mão da mãe a miúda faz festinhas à mulher, a senhora contente com o gesto pergunta-lhe o nome, não percebi o que a miúda disse, apenas ouvi a mulher responder-lhe "não sabes falar?", para logo depois perguntar à mãe: "vieram da Ucrânia?", ao que a mãe respondeu com um afirmativo aceno de cabeça, entretanto já a miúda tinha agarrado a mão da senhora, por momentos ficaram as três de mãos dadas, senti as lágrimas nos olhos perante a ternura daquela miúda, nada do que possa aqui escrever é capaz de descrever aquilo que senti, foi um momento tão límpido de amor, que julgo que é isto que se chama um sentimento de Paz.