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Alice Alfazema

Recortes do quotidiano: do meu, do teu, do seu, e dos outros.

Alice Alfazema

Recortes do quotidiano: do meu, do teu, do seu, e dos outros.

E é assim.

31
Ago21

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Ilustração Ryo Takemasa

Ontem os meus vizinhos andaram em arrumações, são dois jovens rapazes, a mãe faleceu o mês passado, uma mulher na casa dos cinquenta, morreu vitima de cancro, presumo que nos tenhamos esquecido durante estes dois últimos anos que há outras doenças para além da covid-19, a não ser que elas nos batam também à porta. Há umas semanas disseram que agora iam à vida deles. E assim é. Estão-se despedindo pela última vez dos materiais aos quais a mãe deu uso. Vejo uma tábua de engomar, cestos, caixas, prateleiras, cadeira de escritório, vidros, molas de roupa...uma infinidade de despojos domésticos pessoais. 

Parecem-nos banais estes objectos se estiveram numa prateleira de uma loja, mas serão assim tão banais quando nos livramos deles envoltos nas nossas mais queridas recordações? 

No local onde estão os contentores de reciclagem está um mar de lembranças, daqui a algum tempo alguém lhes chamará de lixo, por agora ainda carregam os dias vividos de alguém.

Certamente chegará a hora da nossa ida, e não há objecto que dê para pagar a volta dessa viagem. Não nos é permitido levarmos bagagem, vamos como viemos. Sem qualquer necessidade carregamos demasiadas coisas. O objectos serão apenas sombras. O mais importante caberá apenas na nossa memória. 

 

Aguarela

28
Ago21

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Tenho para mim que pintar em aguarela é pintura de Verão e de dias com calor, talvez pela técnica, cuja essência está relacionada com a água e o tempo de secagem, sei lá, faz-me lembrar sempre os dias preguiçosos, gelados e refrescos.

Transmite-me a vivacidade com que vivemos os momentos únicos da vida: o amor, o nascimento de um filho, um abraço sentido, a família, as férias, os jantares com amigos, as risadas de ficar a doer a barriga, coisas boas que por vezes ficam esbatidas pelo tempo, às vezes pelas lágrimas, como quem junta água à tinta levando o pincel ao papel, a mistura da tinta com a água que pode resultar em cores inesperadas.

A aguarela parece-me de uma simplicidade arrebatadora de sentidos,  não há cor branca, porque branca é a base do papel, assim quando a pincelada encontra o papel e a cor é aí colocada, não mais é possível corrigir o que foi feito. Por isso, a aguarela é um trabalho de execução rápida, como rápida é a vida, apesar de por vezes não o parecer, assim  o acabamento definitivo só depende do tempo e da secagem da água. Tal como nós, que somos essencialmente água. Somos aguarela. 

 

A ilustração é de Blanca Álvarez, podem ver mais aqui, e quem sabe até se iniciarem num curso. Aventurem-se. 

 

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