Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Alice Alfazema

Recortes do quotidiano: do meu, do teu, do seu, e dos outros.

Alice Alfazema

Recortes do quotidiano: do meu, do teu, do seu, e dos outros.

O pensamento cuco

27
Jul21

gg.jpg

Ilustração Alice Rudolf

O pensamento cuco, vive nas cabeça mais distraídas de conhecimento. Sendo assim, os ovos alheios são colocados estrategicamente para serem chocados pelo incauto pensador, depois de eclodirem os cucos são exigentes com o seu cuidador, pedindo vezes sem conta para serem alimentados. À medida que o cuco cresce, torna-se evidente que o ninho se deforma, descaracterizando os vestígios originais. E aí ele voa, esquecendo-se de quem foi para ser quem é. Fica então o ninho vazio de cuco, que agora propaga a espécie, foi-se o outro definhando, já não sabe de onde veio. Cu-cu, cu-cu, cu-cu, canta o cuco sorrateiro esperando outro desprevenido.

Dança com árvores

26
Jul21

IMG_20210725_161746.jpg

IMG_20210725_161759.jpg

IMG_20210725_161818.jpg

Sob estas árvores ou aquelas árvores

        Conduzi a dança,

Conduzi a dança, ninfas singelas

        Até ao amplo gozo

Que tomais da vida. Conduzi a dança

        E sê quase humanas

Com o vosso gozo derramado em ritmos

        Em ritmos solenes

Que a nossa alegria torna maliciosos

        Para nossa triste

Vida que não sabe sob as mesmas árvores

        Conduzir a dança...

 

Poema de Ricardo Reis

 

 

Piquenique de afetos

25
Jul21

IMG_20210725_143610.jpg

IMG_20210725_143615.jpg

IMG_20210725_143706.jpg

IMG_20210725_143725.jpg

IMG_20210725_143729.jpg

 

 

A vida é assim um recorte de tirinhas que mesmo iguais são diferentes, porque a nossa perspectiva, não vem apenas da nossa visão, mas de tudo o que sentimos e daquilo que escolhemos, ou que somos obrigados a entender. Hoje o dia foi feito de muitos momentos desses, tão diferentes como um cabaz repleto das mais variadas frutas. Onde cada uma se destaca à sua verdadeira essência, ou pelo sabor, ou pela cor, ou pela sua origem, pela capacidade de resistência, pela delicadeza, pela doçura, acidez, pela capacidade de ajudar o nosso sistema imunitário.

 

Seremos nós também assim, como frutas num cabaz, vindas de vários pomares, cada um produzindo o que foi plantado. Cuidar é a melhor semente. 

 

E sendo assim vida com sabor a fruta, também estas palavras me souberam a fruto doce e sumarento que me alimentou o espiríto: "Gosto da forma como ela se diverte com as palavras, brincando com os sons e com as ideias que têm dentro e da ironia de que se serve para embrulhar assuntos sérios".

 

Obrigada, Teresa Ribeiro.

 

 

 

  

 

Vazios femininos e masculinos

24
Jul21

fala.jpeg

Ilustração Lisa Aisato

 

Amamos não a pessoa que fala bonito, mas a pessoa que escuta bonito… A arte de amar e a arte de ouvir estão intimamente ligadas. Não é possível amar uma pessoa que não sabe ouvir. Os falantes que julgam que por sua fala bonita serão amados são uns tolos. Estão condenados à solidão. Quem só fala e não sabe ouvir é um chato… O ato de falar é um ato masculino. Fala é falus: algo que sai, se alonga e procura um orifício onde entrar, o ouvido… Já o ato de ouvir é feminino: o ouvido é um vazio que se permite ser penetrado. Não me entenda mal. Não disse que fala é coisa de homem e ouvir é coisa de mulher.

 

Todos nós somos masculinos e femininos ao mesmo tempo. Xerazade, quando contava as estórias das 1001 noites para o sultão, estava carinhosamente penetrando os vazios femininos do machão. E foi dessa escuta feminina do sultão que surgiu o amor. Não há amor que resista ao falatório.

 

 

Rubem Alves, no livro “Ostra feliz não faz pérola”. São Paulo : Editora Planeta do Brasil, 2008.