Um pequeno apontamento
Um pequeno apontamento, uma pincelada de primavera, com cheiro a fim de tarde. Uma amendoeira em flor.
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Um pequeno apontamento, uma pincelada de primavera, com cheiro a fim de tarde. Uma amendoeira em flor.
O nosso mundo é tão interessante que espanta-me quem haja que não se encante, e que não encontre nele novidade diária, ou uma oportunidade de obter mais conhecimento. Mesmo sem livros, ou professor, aquele espelho verde é capaz de me ensinar sempre e quando eu quiser. Desde a fauna à flora, às linhas de água, onde passa o vento, para que lado do tronco cresce o musgo, onde nasce o Sol, onde se abrigam os morcegos.
Dizermos e julgarmos que nada disto é especial, parece-me cruel, tão cruel que não encontro nenhum significado na palavra humanidade.
Ilustração Romain Lubière
Não escreverei o poema.
Direi simplesmente
que o colosso de certeza na humanidade do Universo
é inapagável
como o brilho das estrelas
como o amor dos teus olhos
como a força da harmonia dos braços
como a esperança nos corações dos homens.
Inapagável
como a sensual beleza
da agilidade das feras sobre o campo
e o terror transmitido dos abismos.
Direi simplesmente
Sim!
Sempre sim
à honestidade dos homens
ao viço juvenil da sinfonia das árvores
ao odor inesquecível da natureza
que apaga os possíveis cheiros amargos.
Sim!
à interrogação mágica de Talamugongo
do Cunene ao Maiombe;
ao sonoro cântico de ritmo subterrâneo
e dos chamamentos telúricos;
aos tambores
apelando para o fio da ancestralidade
esbatido além;
ao ponto interrogativo de Madagascar.
Sim!
às solicitações místicas à musculatura dos membros
ao quente das fogueiras endeusadas
na lenha das sanzalas;
às expansões magníficas das faces
esculpidas no alegre sofrimento das quitandeiras
e no ritmo febril das sensações tropicais;
à identidade
com a filosofia do imbondeiro
ou com a condição dos homens,
ali onde o capim os afoga em confusão.
Sim!
à África-terra, à África-humana.
Direi sim
em qualquer poema.
E esperemos que a chuva pare
e deixe de molhar os chilreantes passarinhos
sobre as três árvores da minha única paisagem
e o desejo de escrever um poema.
Isso passa
Poema de Agostinho Neto
Ilustração Andrea Calisi
Pode parecer repetitivo, e é. É como se andássemos naquela roda de rato, andando sem parar, sempre no mesmo sítio. E é isto que perdura há cerca de um ano, enquanto arrastamos connosco a mala cheia de dúvidas, medos, projectos. E o caminho continua, estamos a vê-lo, uns dias estreito, outros largo, mas há medida que o tempo passa, a mala vai estando mais pesada, e não podemos parar, porque o tempo não pára, continuamos, como numa maratona, doendo, doendo, já sem dar por isso, apenas seguimos.
Tenho feito, grande parte desta viagem por aqui, foram muitas horas aqui a partilhar as minhas emoções, confesso que isso me fez muito bem, deu leveza à minha mala.