Janeiro 20/20
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Ilustração Ann Mortimer
És a jarra ou a flor?
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Ilustração Ann Mortimer
És a jarra ou a flor?
Ilustração Anna Lazareva
Num ímpeto de rápida liquidação de stock, atirei
para a montra do poema tudo o que tinha em reserva:
imagens, símbolos, metáforas, sinédoques, e
também aliterações e rimas, ficaram ao sol,
por trás do vidro sujo da estrofe, à venda
pelo melhor preço. Pouco importa que houvesse
alguma flor de retórica ainda com as cores vivas
de um sentimento recente, ou uma invocação
feita de anáforas frescas como a erva do campo:
foi tudo a preço de saldo, e quem não
quiser comprar leva de brinde a chave de ouro
de um soneto em segunda mão, e se ainda assim
protesta vai para o gabinete das provas
de onde pode espreitar o rosto da musa
despenteada sob uma chuva de hipérboles. E
foi assim que os armários do verso ficaram vazios,
e os pude limpar do bafio da inspiração.
Poema Nuno Júdice
Não comerei da alface a verde pétala
Nem da cenoura as hóstias desbotadas
Deixarei as pastagens às manadas
E a quem mais aprouver fazer dieta.
Cajus hei de chupar, mangas-espadas
Talvez pouco elegantes para um poeta
Mas pêras e maçãs, deixo-as ao esteta
Que acredita no cromo das saladas.
Não nasci ruminante como os bois
Nem como os coelhos, roedor; nasci
Omnívoro; dêem-me feijão com arroz
E um bife, e um queijo forte, e parati
E eu morrerei, feliz, do coração
De ter vivido sem comer em vão.
Poema de Vinicius de Moraes, ilustrações Agata Nowicka