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Alice Alfazema

Recortes do quotidiano: do meu, do teu, do seu, e dos outros.

Alice Alfazema

Recortes do quotidiano: do meu, do teu, do seu, e dos outros.

Balancé

31
Mai17

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Faz este ano precisamente dezassete anos que a minha mãe morreu, era Maio, o Dia da Mãe calhou num domingo dia sete e ela foi na terça dia nove. Foi levada pelo sono da tarde, nem uma expressão de dor, apenas ficou o frio extremo que eu jamais pensei existir.

Os meus avós eram pescadores, o meu pai também, pessoas habituadas ao risco e conhecedoras da morte. A minha mãe tinha uma doença incapacitante que a podia devorar a qualquer momento, no entanto ela era uma animadora de espíritos, isso fascinava-me. Como podemos viver em consciência lado a lado com a Vida e a Morte? Afinal não é isso o que fazemos todos os dias sem o notarmos? Sabemos apenas que existimos.

A consciência da sua finitude e uma fé imensa davam-lhe uma energia e um amor incondicional àquilo a que vulgarmente se chama de Amor pela Vida. A sua vontade férrea naquilo que queria conhecer, as coisas que não ficaram por dizer. Os abraços que demos e as vezes que chorámos como forma de alívio. Não deixámos nada para amanhã, foi tudo feito num hoje único. Vivemos coisas simples, apreciámos coisas simples, coisas banais, como o barulho da chuva, a cor de uma joaninha, a surpresa de ver a erva a crescer. Rimos muito, rimos quando havia motivo para rir e rimos também quando nos apetecia chorar, quando nos apetecia desistir.

A morte faz balancé na vida. Para cima, para baixo, para cima, para baixo, mais rápido, mais devagar, parado, a começar, a acabar. O que fizemos juntas nesse balancé ficou em mim, às vezes vem de mansinho, em sonhos, em cheiros, em paladares. Não são coisas palpáveis, são coisas minhas.

 

 

Texto meu publicado no Delito de Opinião

 

 

 

Alice Alfazema

Quantas vezes te perdeste dentro de um livro?

30
Mai17

 

Ilustração  Karin Jurick

 

tem partida
tem viagem
tem estrada
tem caminho
tem procura
tem destino
lá dentro do livro

 

 

tem princesa
tem herói
tem fada
tem feiticeira
tem gigante
tem bandido
lá dentro do livro

 

 

quanto mito
quanta lenda
quanta saga
quanto dito
quanto caso
quanto conto
lá dentro do livro

 

 

tem tragédia
tem comédia
tem teatro
tem poesia
tem romance
tem suspense
lá dentro do livro

 

 

tem passado
tem presente
tem futuro
tem moderno
tem o velho
tem o novo
lá dentro do livro

 

 

tem verdade
tem mentira
tem juízo
tem loucura
tem ciência
tem bobagem
lá dentro do livro

 

 

tem estudo
tem ensino
tem lição
tem exercício
tem pergunta
tem resposta
lá dentro do livro

 

 

quanta regra
quanta norma
quanta ordem
quanta lei
quanta moral
quanto exemplo
lá dentro do livro

 

 

tem imagem
tem pintura
tem desenho
tem gravura
tem estampa
tem figura
lá dentro do livro

 

 

tem desejo
tem vontade
tem projeto
tem trabalho
tem fracasso
tem sucesso
lá dentro do livro

 

 

quanta gente
quanto sonho
quanta história
quanto invento
quanta arte
quanta vida
há dentro de um livro!

 

 

 

Poema de Ricardo Azevedo

 

 

Alice Alfazema

 

 

 

 

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