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Alice Alfazema

Recortes do quotidiano: do meu, do teu, do seu, e dos outros.

Alice Alfazema

Recortes do quotidiano: do meu, do teu, do seu, e dos outros.

Com um caneco

05
Fev17
Fui uma noite pintar
Com um caneco emprestado;
Eu pintei sem reparar,
Pintei e fiquei pintado.

 

 

 

Ilustrações Emzari Kiknavelidze

 

 

Eu comecei com jeitinho
A compor o ramalhete;
Primeiro foi com azeite
E depois foi com cuspinho.
No começo era estreitinho,
Custava o pincel a entrar...
Começa a dona a gritar:
"Não me parta a tigelinha",
Mas que coisa engraçadinha,
Fui uma noite pintar...

 

Comecei devagarinho...
Quando fui ao outro mundo
Meti o pincel ao fundo
E parti o canequinho.
Até mesmo o pincelinho
Veio de lá todo pintado,
Eu já estava desmaiado,
Perdendo as cores do rosto;
Mas pintei com muito gosto
Com um caneco emprestado.

 

 

 

Vem a mãe toda zangada:
"Tem que pagar-me a vasilha...
No caneco da minha filha
Não pinta você mais nada...
...Lá isto, a moça deitada,
Sem poder levantar-se,
Com tanta tinta a pingar
No lugar da rachadela!..."
"Diga lá, que desculpe ela,
Eu pintei sem reparar!"...

 

Pra que vejam que sou pintor
E meu pincel nunca deixo;
Pra que saibam que o Aleixo
Não é somente cantor...
Também pinto qualquer flor
E faço qualquer bordado;
Mas aqui o ano passado,
Perdi, de pintar, o tino...
Fui pintar, fiz um menino,
Pintei e fiquei pintado. 

 

 

Poema de António Aleixo, poeta popular português nascido no Algarve em 18 de Fevereiro de 1899, poeta irónico e um crítico social da sua época, ver mais em Poet'anarquista.

 

 

Alice Alfazema

A chuva é uma coisa vulgar?

04
Fev17

Ilustração Hajin Bae

 

As coisas vulgares que há na vida
Não deixam saudade
Só as lembranças que doem
Ou fazem sorrir

 


Há gente que fica na história
Da história da gente
E outras de quem nem o nome
Lembramos ouvir


Ilustração  Roman Muradov

 


São emoções que dão vida
À saudade que trago
Aquelas que tive contigo
E acabei por perder


Há dias que marcam a alma
E a vida da gente
E aquele em que tu me deixaste
Não posso esquecer


Ilustração Anton Yakutovych

 



A chuva molhava – me o rosto
Gelado e cansado
As ruas que a cidade tinha
Já eu percorrera
Ai, meu choro de moça perdida
Gritava à cidade
Que o fogo do amor sob a chuva
Há instantes morrera


A chuva ouviu e calou
Meu segredo à cidade e eis que ela bate no vidro
Trazendo a saudade

 

 

Poema de (clique para ouvir) Jorge Fernando

 

 

 

 

Alice Alfazema