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Alice Alfazema

Recortes do quotidiano: do meu, do teu, do seu, e dos outros.

Alice Alfazema

Recortes do quotidiano: do meu, do teu, do seu, e dos outros.

É Dezembro

02
Dez16

 

Quando cheguei do trabalho fui passear com o Ginjas.

 

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Fomos pela erva verde e rasteira das primeiras chuvas, passámos pelo pinheiro da coruja e vimos as sombras do resto do dia, vimos ainda um Gaio e um Corvo.

 

Observámos os buracos das oliveiras, sabíamos que poderia haver lagartos lá dentro, ouvimos barulhos entre os enormes sobreiros. Continuámos pelos carreiros, o frio era nosso companheiro. Lá no monte o Sol deitou-se e disse-nos até amanhã.

 

Viemos então pela avenida dos plátanos dourados, parecem estar abraçados uns nos outros, copa com copa. Devagar apreciei a cena. Já me refresquei debaixo daquelas folhas que agora caem. É uma despedida. O frio continua, o chão começa a ficar húmido. Vamos para casa. Está quente. Lá fora o frio continua. É Dezembro.

 

 

Alice Alfazema

A fita vermelha

01
Dez16

 

 

Há muito tempo atrás, ia eu de comboio para o trabalho. A viagem era um pouco demorada, os comboios não eram tão rápidos como hoje em dia, dava para dormir, fazer malha, observar e conversar. Não haviam telemóveis, tablets nem fones, a malta entretinha-se com a paisagem. Depois de as minhas colegas descerem numa determinada estação eu ainda tinha mais de vinte minutos até chegar ao meu destino, durante esse período estava sempre comigo mesma.

 

Naquele dia a carruagem estava quase cheia, ao pé de mim os lugares ficaram vagos. Um homem muito magro e vestido de negro veio pela carruagem fora e sentou-se em frente a mim. Na mão trazia posto um cateter, o seu ar era cadavérico, de tão magro que estava. Começou a falar comigo sobre SIDA, na altura sabia-se pouco sobre o assunto, eu era jovem e o que sabia sobre a doença era aquilo que aparecia nas notícias, que era uma doença de homossexuais. Mas ele disse-me que não o era, que o que se dizia era mentira, falou-me de muita coisa e eu ouvi. 

 

O que mais me marcou nisto tudo foi ele ter-me agradecido por tê-lo ouvido, por não me ter levantado do meu lugar para me sentar noutro, situações essas às quais ele estava habituado. 

 

Isto foi há tanto tempo, muitas vezes me lembro disto, foram vinte minutos da minha vida. Na vida todos os minutos contam e por vezes por dez minutos apenas temos de fazer mudanças muito fortes. Não desperdice a sua - informe-se e proteja-se.

 

 

Alice Alfazema

 

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