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Alice Alfazema

Recortes do quotidiano: do meu, do teu, do seu, e dos outros.

Alice Alfazema

Recortes do quotidiano: do meu, do teu, do seu, e dos outros.

Nós as mulheres queremos viver serenas de tradições?

29
Ago16

Ontem dia vinte e oito de Agosto de 2016, fui à praia, estive estendida na minha toalha de sempre, com a minha filha ao meu lado, as duas na mesma sombra, as duas mulheres, em idades diferentes, com gostos diferentes, com objectivos diferentes, com vidas paralelas. Eu e a minha filha, somos iguais em género, somos iguais na linguagem, queremos coisas bonitas, gostamos de ir passear, de ir à praia, do sol, de amigos, de liberdade de escolha.

 

Ontem da minha toalha, olhei a praia, as pessoas estendidas no areal quente, o som das vozes era calmo, calor de Agosto, domingo, férias. 

 

Ontem da minha toalha, vejo duas miúdas na passadeira de madeira, de mãos dadas, talvez irmãs. Duas miúdas. Duas miúdas, uma talvez com oito anos, a outra com cerca de doze.  A mais pequena trazia vestido um biquini verde mar, a mais velha um burquini, molhado, colado ao corpo, a sua cabeça estava coberta com o véu, também ele encharcado. Olhei para elas e desviei o olhar, fingi que não as vi. Sei que continuaram a andar de mãos dadas pela praia, porque depois furtei-me a olhar de novo para ambas, quando já iam mais longe. Não comentei nada com ninguém. Parece-me que as outras pessoas que estavam na praia fizeram o mesmo que eu. Havia uma normalidade naquilo tudo, na praia, no sol, no calor, no mar, no sal que tínhamos na pele.

 

Depois de tudo o que se tem falado e escrito por todo o lado, não sinto uma normalidade num burquini. 

 

O ano passado em Troia já tinha presenciado o modo desta vestimenta de banho de mar e piscina, a autora deste tipo de fato de banho disse que o criou para as mulheres terem mais liberdade, grande verdade. Assim observei que enquanto as mulheres se banhavam completamente vestidas, com aquele tecido todo colado ao corpo e um calor infernal na toalha, os homens banhavam-se, com as barriganas de fora, em tudo idênticos aos ocidentais.

 

Dizem que devemos respeitar as tradições, que ninguém tem nada com isso, cada um faz o que quer. Será que a miúda que vi ontem escolheu andar assim vestida de livre e espontânea vontade? Porque têm as mulheres de esconder o corpo, enquanto os homens podem mostrá-lo? Somos nós, as mulheres, uma subespécie?  Temos (ou devemos) de nos submeter de forma serena às (ditas) tradições? 

 

Eu quero para a minha filha, e para todas as meninas que conheço, e  para as outras que existem por esse planeta fora, e pelas que vão nascer,  um mundo livre de tradições que são apenas máscaras de vontades masculinas. 

 

 

Alice Alfazema

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