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Alice Alfazema

Recortes do quotidiano: do meu, do teu, do seu, e dos outros.

Alice Alfazema

Recortes do quotidiano: do meu, do teu, do seu, e dos outros.

Retratos

31
Mar15

Ilustração Aitch

 

Subiu para o autocarro, franzina, muitas rugas no rosto. Ar de miúda, mas velha na pele. Falava sem parar. O blusão de pele sintética descascava pele por todo o lado. O cabelo penteado em rabo de cavalo mostrava as réstias daquilo que havia sido na adolescência. Poderia ter sido bonita. O ar agastado descaía-lhe os ombros e acentuava-lhe as rugas. Carregava no rosto a sua vida. Sorriu e tapou a boca. Era um sorriso sem dentes. Quantos anos? Pouco mais que quarenta.

 

Alice Alfazema

Um sorriso ao contrário

30
Mar15

Imagem Osman Sagirli

 

Esta criança síria confundiu a máquina fotográfica com uma arma e rendeu-se. Provavelmente terá uns meros três anos, mas uma realidade violenta que lhe entra todos os dias pela mente. Nada de creminhos e fotos fofinhas, nem os problemas com os choros infernais de noite devem preocupar os seus pais. Apenas as balas não são fofinhas, nem levam a risinhos e roupinhas de marca. Nada de problemas de hiperactividade, há muito mais com que se preocupar. Um sorriso ao contrário, uns olhos cheios de medo, o sujo das roupas, a paisagem da guerra, o sibilar das balas. Nada de depressões alucinantes, nem desvarios de medos de aranhas, ou problemas com a alergia dos fenos. Apenas o dia-a-dia. Amanhã talvez.

 

Alice Alfazema

 

Pianíiiiiiiiiiiiiiiiiissimo

30
Mar15

Ilustração Claire West

 

Os sentimentos são coisas subtis, muitas vezes indescritíveis, sentes e sentes. Queres agarrá-los para os perceberes, mas eles fogem, tais borboletas fugidias. A subtileza é uma emoção felina, cheia de pormenores esvoaçantes. Podes encontrá-la nos poemas, nas palmas das mãos, nos abraços, na música, numa gota de chuva, numa lágrima, num sorriso, quando folheamos um livro, em mil e uma coisas, nos beijos.

 

A tua boa violina-me o coração

um sentir grave

um tremor

como que a violoncelares-me fendas na pele

abismos onde os poros descompreendem

respirar

chegas-me aos ossos e daí

flauteias como pássaros

o ardente líquido rufar dos tambores

ecoam luas húmidas

preparando o último ditongo em uníssono

piano

pianinho

pianíiiiiiiiiiiiiiiissimo 

 

Jorge Serafim, in A Sul de Ti

 

 

Alice Alfazema

 

 

 

 

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