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Alice Alfazema

Recortes do quotidiano: do meu, do teu, do seu, e dos outros.

Alice Alfazema

Recortes do quotidiano: do meu, do teu, do seu, e dos outros.

Algum sorriso eu perdi

22
Jul14

Cada vez mais sinto que não tenho tempo para tudo que ainda quero fazer, apesar de nos últimos anos ter conseguido fazer coisas que não tive oportunidade de fazer quando era mais nova, no entanto desperdicei tanta coisa, desperdicei por desconhecimento, por ignorância, por fraternidade, desperdicei o meu tempo, muito tempo...Algum sorriso eu perdi. À medida que o tempo passa a vida não passa sem nos chamar à razão. Essa razão tem sido amiga ou não. Vou pedir ao tempo que me dê mais tempo. Andei por o tempo fora, às vezes voando outras planando, a minhas asas estão cansadas. Não sei se voei depressa demais. Talvez. Percorri tantas paisagens, umas verdejantes outras áridas, às vezes parece-me que vivi noutro corpo. O que a idade nos trás é a possibilidade de reflectir à distância do corpo e da mente, e sim algum sorriso eu perdi. Mas ganhei outros. Poderia ter sido de outro modo, não sei, nas mesmas circunstâncias faria provavelmente as mesmas escolhas. Eu sei que a vida tem pressa, ainda quero voar mais, mas apenas nas paisagens que tenho sonhado, porque agora a experiência é minha aliada.

 

Ao meu marido e aos meus filhos que me têm deixado voar, obrigada.

 

 
 
Alice Alfazema

O mundo, as mãos, a tela e a poesia

21
Jul14

 

Pintura Omar Ortiz 

 

As mãos feitas em óleo sobre linho, as mãos que levam e trazem o mundo de cada um, as mãos do pintor que a cada pincelada revela a pele e as transforma em movimento de dar e receber. As mãos do poeta, que faz com elas poesia e se rebela com um mundo caduco, onde apenas a solidariedade pode dar força às mãos. As mãos que acolhem, que mudam acções, que matam e que dão vida. É nas mãos que és acolhido quando nasces, quando queres força e carinho, é nelas que escondes a cara quando tens vergonha e quando tens frio. As mãos que podem mudar o mundo para melhor...onde estão?

 

Não serei o poeta de um mundo caduco. 
Também não cantarei o mundo futuro. 
Estou preso à vida e olho meus companheiros 
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças. 
Entre eles, considere a enorme realidade. 
O presente é tão grande, não nos afastemos. 
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas. 


Não serei o cantor de uma mulher, de uma história. 
Não direi suspiros ao anoitecer, a paisagem vista na janela. 
Não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida. 
Não fugirei para ilhas nem serei raptado por serafins. 
O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes, 
a vida presente.

 

Carlos Drummond de Andrade

 

 

Alice Alfazema

 

O voo MH17 e os outros voos

20
Jul14

 

Ilustração Wiebke Petersen

 

As pessoas ficaram impressionadas, falam nas ruas, nas redes sociais e noutros locais, sobre o abate de um avião comercial na Ucrânia, 80 crianças iam lá dentro. Quantas outras são no entanto abatidas TODOS OS DIAS sem que ninguém se impressione? Isto é que me impressiona, será que a vida tem vários valores, que valha conforme o local que habitamos? Impressiona-me estar a jantar enquanto na televisão passam imagens de cadáveres de seres pequeninos que nem um dia viveram em paz, e calmamente se janta apreciando os sabores da comida, como se aquelas imagens fossem de um mundo fictício. É a vida em saldo e a soldo.

 

 

Alice Alfazema