A água
Vê como o verão
subitamente
se faz água no teu peito,
e a noite se faz barco,
e minha mão marinheiro.
Eugénio de Andrade
Alice Alfazema
Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]
Vê como o verão
subitamente
se faz água no teu peito,
e a noite se faz barco,
e minha mão marinheiro.
Eugénio de Andrade
Alice Alfazema
Numa colina azul brilha um lugar caiado.
Belo! E arrimada ao cabo da sombrinha,
Como teu chapéu de palha desabado,
Tu continuas na azinhaga; ao lado
Verdeja, vicejante, a nossa vinha.
Cesário Verde
Alice Alfazema
Fotografia Patrícia Cruz
Muro, em que meditas,
ao longo da estrada, por estas quintas,
casas, ermos, entre paixões
de alma dos espectros
presentes e vindouros? E os vivos,
porque se escondem
por trás da tua fronte alta,
quieta, seca, que cobiça os astros,
sem saber que o teu corpo
de xisto corre, avança,
mas não pode soltar-se da Terra
e alcançar o Alto?
Fiama Hasse Pais Brandão
Alice Alfazema
Reencontrei há dias o meu livro de leitura da segunda classe. Por mero acaso encontrei a história que foi a minha preferida durante muito tempo, deixo-vos aqui o texto.
Era uma vez uma casa pintada de amarelo com um jardim à volta.
No jardim havia tílias, bétulas, um cedro muito antigo, uma cerejeira e dois plátanos. Era debaixo do cedro que Joana brincava. Com musgo e ervas e paus fazia muitas casas pequenas encostadas ao grande tronco escuro. Depois imaginava os anõezinhos que, se existissem, poderiam morar naquelas casas. E fazia uma casa maior e mais complicada para o rei dos anões.
Joana não tinha irmãos e brincava sozinha. Só de vez em quando vinham brincar os dois primos ou outros meninos. Às vezes ela ia a uma festa. Mas esses meninos a casa de quem ela ia e que vinham a sua casa não eram realmente amigos: eram visitas. Faziam troça das suas casas de musgo e maçavam-se imenso no seu jardim.
E Joana tinha muita pena de não saber brincar com os outros meninos. Só sabia estar sozinha.
Mas um dia encontrou um amigo. Foi numa manhã de Outubro.
Joana estava encarrapitada no muro. E passou pela rua um garoto. Estava todo vestido de remendos e os seus olhos brilhavam como duas estrelas. Caminhava devagar pela beira do passeio sorrindo às folhas do Outono. O coração de Joana deu um pulo na garganta.
- Ah! - disse ela.
E pensou:
Parece um amigo. É exactamente igual a um amigo. E do alto do muro chamou-o:
- Bom dia!
O garoto voltou a cabeça, sorriu e respondeu:
- Bom dia!
Ficaram os dois uns momentos calados.
Depois Joana perguntou:
- Como te chamas?
- Manuel - respondeu o garoto.
- Eu chamo-me Joana.
E de novo entre os dois, leve e aéreo, passou o silêncio.
Ouviu-se tocar ao longe o sino duma quinta.
Até que o garoto disse:
- O teu jardim é muito bonito.
- É, vem ver.
Joana desceu do muro e foi abrir o portão.
E foram os dois pelo jardim fora. O rapazito olhava uma por uma, cada coisa. Joana mostrou-lhe o tanque e os peixes vermelhos. Mostrou-lhe o pomar, as laranjeiras e a horta. E chamou os cães para ele os conhecer. E mostrou-lhe a casa da lenha onde dormia um gato. E mostrou-lhe todas as árvores, as relvas e as flores.
É lindo, é lindo - dizia o rapazito gravemente.
- Aqui - disse Joana - é o cedro. É aqui que eu brinco.
E sentaram-se os dois sob a sombra redonda do cedro.
A luz da manhã rodeava o jardim: tudo estava cheio de paz e de frescura. Às vezes do alto de uma tília caía uma folha amarela que dava voltas no ar.
Joana foi buscar pedras, paus e musgo e começaram os dois a construir a casa do rei dos anões.
Brincaram assim durante muito tempo.
Até que ao longe apitou uma fábrica.
- Meio-dia - disse o garoto - tenho que me ir embora.
- Onde é que tu moras?
- Além nos pinhais.
- E onde é que brincas?
- Brinco em toda a parte. Dantes morávamos no centro da cidade e eu brincava no passeio e nas valetas. Brincava com latas vazias, com jornais velhos, com troncos e com pedras. Agora brinco no pinhal e na estrada. Brinco com as ervas, com os animais e com as flores. Pode-se brincar em toda a parte.
- Mas eu não posso sair deste jardim. Volta amanhã para brincares comigo.
E daí em diante todas as manhãs o rapazito passava pela rua. Joana esperava-o empoleirada em cima do muro. Abria-lhe a porta e iam os dois sentar-se sob a sombra redonda do cedro.
Sofia de Melo B. Andresen
Alice Alfazema