Vermelho
Minha presença de cetim,
Toda bordada a cor-de-rosa,
Que foste sempre um adeus em mim
Por uma tarde silenciosa...
Ó dedos longos que toquei,
Mas se os toquei, desapareceram...
Ó minhas bocas que esperei,
E nunca mais se me estenderam...
Meus Boulevards de Europa e beijos
Onde fui só um espectador...
- Que sono lasso, o meu amor;
- Que poeira de oiro; os meus desejos...
Há mãos pendidas de amuradas
No meu anseio a divagar...
Em mim findou todo o luar
Da lua de um conto de fadas...
Eu fui alguém que se enganou
E achou mais belo ter errado.
Mantenho o trono mascarado
Aonde me sagrei Pierrot.
Minhas tristezas de cristal,
Meus débeis arrependimentos
São hoje os velhos paramentos
Duma pesada Catedral.
Pobres enleios de carmim
Que reservara para algum dia...
A sombra loira, fugidia,
Jamais se abeirará de mim...
- Ó minhas cartas nunca escritas,
E meus retratos que rasguei...
As orações que não rezei...
Madeixas falsas, flores e fitas...
O «petit-bleu» que não chegou...
As horas vagas do jardim...
O anel de beijos e marfim
Que meus dedos nunca anelou...
Convalescença afectuosa
Num hospital branco de paz...
A dor magoada e duvidosa
Dum outro tempo mais lilás...
Um abraço que nos acalenta...
Livros de cor à cabeceira...
Minha ternura friorenta -
Ter amas pela vida inteira...
Ó grande Hotel universal
Dos meus frenéticos enganos,
Com aquecimento-central,
Escrocs, cocottes, tziganos...
Ó meus Cafés de grande vida
Com dançarinas multicolores...
- Ai, não são mais as minhas dores
Que a dança interrompida...
Elegia, Mário de Sá-Carneiro
Alice Alfazema