O olho da árvore
Fotografia de Cordeiro
Há quantos anos estou aqui? observando os que passam e os que ficam, os que gozam da minha sombra e os que reclamam da sujidade das minhas folhas?
Remeto-me ao silêncio, oiço as conversas e os risos, encontro choros sem razões, e eu aqui presa, contemplo a paisagem, já vi o Sol e a Lua, das mais diversas formas e com os mais diversos significados, vi crenças e preces, até já tive abraços; conforto-me com pouco e vejo muito, contribuo para o vosso bem estar e sou parte da vossa vida, pois aquilo que transformo está em vossos pulmões, e vós que fazeis, muitos nem sequer disso sabem, esquecem-se que nos vossos genes mora a minha energia, e que sem ela não poderiam viver; vós que vos julgais deuses, olhando-se no espelho amam-se de um modo singular, e esquecem-se que envelhecem e morrem, passam pelo mundo sem nada deixar, cobertos de azedume, olhem os meus ramos e façam como eles - renovem-se - nem que para isso fiquem sem folhas, o medo é um cancro, deitem-no fora e respirem, sintam-me dentro de vós, como se raízes tivessem e daí conseguissem transmitir-me tudo aquilo que querem e aquilo que são, não vos esqueçam que quem partilha os genes é irmão, independentemente da silhueta física.
Alice Alfazema