Mundo comum
A realidade da vida quotidiana apresenta-se-me, como um mundo intersubjectivo, um mundo que partilho junto com outros. Esta intersubjectividade diferencia com nitidez a vida quotidiana de outras realidades, das quais tenho consciência. Estou sozinho no mundo dos meus sonhos, mas sei que o mundo da vida quotidiana é tão real para os outros quanto é para mim. De facto, não posso existir na vida quotidiana sem estar sempre em interacção e comunicação com os outros. Sei que a minha atitude natural em relação a este mundo corresponde à atitude natural dos outros, que também eles compreendem as objectivações graças às quais este mundo é ordenado, que eles também organizam este mundo em torno do “aqui e agora”, do seu estar nele e no qual têm projectos de trabalho. Sei também, é evidente, que os outros têm uma perspectiva deste mundo comum que não é idêntica à minha. O meu “aqui” é o “lá” deles. O meu “agora” não se sobrepõe por completo ao deles. Os meus projectos diferem dos deles, com os quais podem mesmo entrar em conflito. De qualquer modo, sei que vivo com eles num mundo comum. E da maior importância também é eu saber que há uma contínua correspondência entre os meus significados e os seus significados neste mundo, que partilhamos um sentimento comum no que respeita à sua realidade. A atitude natural é a atitude da consciência do senso comum, porquanto se refere a um mundo que é comum a muitas pessoas. O conhecimento do senso comum é aquele que partilho com os outros nas rotinas normais, auto-evidentes na vida quotidiana. A realidade da vida quotidiana é admitida como sendo a realidade. Não exige qualquer outra verificação, para além da sua simples presença. Está aí, como factualidade evidente e compulsiva. Sei que é real. Embora possa embrenhar-me em dúvidas a respeito da sua realidade, sou obrigado a suspender estas dúvidas enquanto existo numa rotina de vida quotidiana. Esta suspensão da dúvida é tão firme que para a abandonar, como poderia desejar fazer, por exemplo, na contemplação teórica ou religiosa, tenho de realizar uma transição extrema. O mundo da vida quotidiana proclama-se a si mesmo e, se quero contestar esta proclamação, tenho de realizar um esforço deliberado e nada fácil. (…) A realidade da vida quotidiana é partilhada com outros. Mas de que modo serão esses outros vivenciados na vida quotidiana?
Peter l. Berger e Thomas Luckmann
Alice Alfazema