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Alice Alfazema

Recortes do quotidiano: do meu, do teu, do seu, e dos outros.

Alice Alfazema

Recortes do quotidiano: do meu, do teu, do seu, e dos outros.

Pela poesia se vai até à verdade

07
Dez23
 
 
Hoje, cá dentro, houve festa...

Alcatifei-me de veludo azul,
fiz pintar a Ternura os meus salões,
e pus cortinas de tule...

 

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Mas não chamei grandes orquestras
nem um clarim, a proclamá-la:
mandei tocar, em mim,
uma música assim de procissão
que levou os meus sentidos
a nem sequer se sentirem, de embevecidos...

 

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Hoje, cá dentro, houve festa...
E, se houve festa e veludos,
e musica azul, e tudo
quanto digo,
foi somente porque a Graça
desceu hoje a visitar-me. 

 

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E eu, que vivo de Infinito
as raras vezes que vivo;
eu, que me sinto cativo
no pouco espaço que habito,
onde a presença de dois,
por ser demais, me embaraça,
deixei logo o meu lugar,
para dar lugar à Graça.

 

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Não tinha pés: tinha passos;
não tinha boca: era beijos;
não tinha voz: era como
se o folhado e a maresia
se tivessem combinado
pra cantar «Ave, Maria...»

 

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Foi então que vivi; então que vi
os poucos metros que vão
da minha Serra às Estrelas:
é que eu, sendo tão pequeno
que nem às vezes me encontro,
andava ali a pairar,
e o meu fim estava nelas
e o meu princípio no Mar.

 

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A Graça, cá dentro, era

a varinha de condão
que me guiava no Ar.
E que bem me conduzia!
Parecia que eu sentia
as mesmas ânsias e a alegria
da Noite quando, no ventre,
já sente os gritos do Dia.

 

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O poema é de Sebastião da Gama, o poeta da Serra da Arrábida, as fotografias foram tiradas por mim ontem na Serra.

Expresso

de Setúbal até Trróia

13
Jun23

david dores.jpg 

Fotografia David Dores 

Estava eu a percorrer a internet, quando me deparei com esta fotografia do David Dores, a fotografia diz respeito ao ferryboat Expresso que atravessava o Sado de Setúbal até Troia, foram tantas as vezes que naveguei nele directa a longos dias de praia e namoro, durante quase toda a travessia éramos brindados com roazes que acompanhavam o barco, uma feliz normalidade para a época (que nunca pensei deixar de existir), os mais velhos viajavam com as crianças na zona mais abrigada localizada onde se vêem as janelas, os mais afoitos iam lá bem no alto, quase ao leme, o barco carregado à pinha, de gente e de carros, era chegar e largar, o homem do leme manobrava com mestria, na chegada ao batelão, os homens lançavam os cabos para atracar o barco, só depois descia a pesada chapa que servia de rampa de entrada e saída. Pelo meio da viagem tínhamos deitado ao rio as carcaças que não tínhamos comido durante o dia, as gaivotas sempre atentas comiam-nas ainda no ar, confesso que levava sempre pão a mais, e mesmo que não levasse deixava sempre alguma só para me deleitar com o espectáculo das gaivotas acompanhando o barco - tendo como pano de fundo a água azul do Sado, a Serra da Arrábida fundindo-se com o pôr do Sol e o despertar das luzes da cidade de Setúbal.

 

Sobre o fotógrafo David Dores (retirado do jornal O Setubalense, 11/02/2020):

David nunca deixou que o diagnóstico de epilepsia e as terapêuticas pelas quais passou na infância e adolescência limitassem o seu caminho. “No papel está 66% de incapacidade. Deficiência Mental. Confesso. Detesto essas palavras. Eu não sou ‘uma deficiência’ sou o David”, defende assumindo que muitas vezes luta para não se revoltar com “a etiqueta”, que tantas vezes lhe limitou o caminho.

Para saberem mais visitem a página https://www.daviddoresphotography.com/