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Alice Alfazema

Recortes do quotidiano: do meu, do teu, do seu, e dos outros.

Alice Alfazema

Recortes do quotidiano: do meu, do teu, do seu, e dos outros.

A vida passa lá fora

09
Mai21

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A vida passa lá fora, como se nada fosse, e sinto que o meu tempo foi-me roubado nestes últimos meses, o que não fiz e queria muito fazer, se a minha vida acabasse agora estaria incompleta, provavelmente ficará sempre incompleta, mas quero que seja o mais preenchida na medida do possível. Quando somos jovens pensamos que temos todo o tempo do mundo, depois o tempo transforma-se num túnel, cada dia mais afunilado, e aí cada dia passa a valer muito mais que as vinte e quatro horas estipuladas. Deixamos de considerar como úteis tarefas que antes eram imprescindíveis, e sinto que talvez venha a valorizar as horas vazias e os dias de coisa nenhuma, pois neles completo aquilo que me falta, que é ter tempo para mim, como num final de uma maratona, que ao esforço importa apenas depois descansar. 
 
 
A vida passa lá fora,
Ou na pressa de uma roda,
Ou na altura de uma asa,
Ou na paz de uma cantiga;
E vem guardar-se num verso
Que eu talvez amanhã diga.
 
 
Poema de Miguel Torga

Cama

24
Set20

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Ilustração Virginia Mori

 

 

Eu gostava de ter uma cama de mar azul brilhante. Que fosse sempre feita e desfeita numa cadência ritmada de um maestoso. Onde eu pudesse descansar nas ondas e sentir o aveludado da água na minha pele. Nem sonhos de sereias, nem de medusas monstruosas e venenosas. Apenas sonhos de peixinhos e conchas com algas leves e coloridas. E ouvir a voz do mar, com o som que há dentro dos búzios. 

 

 

 

Descanso

04
Jul20

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Ilustração Alice Caldarella

 

Apesar do descanso dos dias sinto-me cansada, exausta de pensar, pensar que não quero a vida que tinha, não quero aquela azáfama desvairada e já sem retorno. Finalmente dei-me conta do quanto estava cansada, e da minha insistência em não descansar. Um outro eu espreita e toma conta do meu cérebro, um eu mais egoísta, mais exigente, menos compreensivo com as desculpas. Esta mudança de pele é complexa, ouvi dizer que as cobras ficam mais agressivas quando mudam de pele, talvez fiquem assim para protegerem a sua nova camada ainda jovem e sensível. 

 

Como li aqui: "Sair é uma interrupção. Um parágrafo que nos dá fôlego para o parágrafo seguinte." Que frase tão boa de se ler. Sair de mim também pode ser uma interrupção, que seja para a minha vida seguinte.