Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Alice Alfazema

Recortes do quotidiano: do meu, do teu, do seu, e dos outros.

Alice Alfazema

Recortes do quotidiano: do meu, do teu, do seu, e dos outros.

Virgolinho o ET cientista social

Capitulo II

26
Nov22

caracol.jpg Fotografia Katarzyna Załużna

Virgolinho desviou o olhar daquela imagem fantástica, conhecia a maciez das penas dos pássaros, de onde vinha as aves eram adoradas como símbolos de liberdade e de sonho, pois tinham o poder mágico de atravessarem os buracos negros entre universos e transformarem as cores das suas penas através da energia quântica, de uma só vez mudavam de tamanho e de cor, era quase impossível haver uma catalogação de cada espécie, visto andarem em constante mutação. Era estranho estar a comparar os dois mundos, principalmente porque os que viviam ali em baixo tinham a noção de viverem sozinhos no vasto universo. Ligou o comando principal da nave, este podia ser comparado a um grande computador terrestre, era dali que retirava a informação que necessitava para se manter actualizado sobre cada mundo que visitava. Naquele comando era possível fazer qualquer tipo de pesquisa, o cruzamento de dados que ali tinha sido introduzido permitia a Virgolinho conhecer e ter a noção aproximada de como os terrestres se comunicavam através da escrita. Verificou que havia agora um outro mundo paralelo à realidade, a que os terrestres chamavam de redes sociais, Virgolinho ligou-se às redes e começou a ler o que eles chamavam de comentários, depreendia que aquilo seria uma forma de expressão, no entanto o que o surpreendeu é que havia  nesses ditos comentários uma forma de agressão verbal jamais expressada com essa dimensão no chamado mundo real, ficou também curioso em perceber o porquê  desse tipo de comportamento ser aceite em sociedade como liberdade de expressão. Anotou alguns desses comentários como fonte de pesquisa, mais tarde iria tratar de documentá-los, depois pensou que teria de reformular toda a sua pesquisa já antes feita na Terra. 

 

VER CAPITULO ANTERIOR:

Capitulo I

Virgolinho o ET cientista social

Capitulo I

15
Set22

Virgolinho entrou na estratosfera e sentiu um arrepio nos ossos da garganta, sempre que viajava pelo buraco negro a sua garganta afunilava provocando-lhe arrepios sucessivos nos ossos côncavos que lhe seguravam a língua bífida, quando isso acontecia a língua mudava de cor, do natural verde amarelado passava a laranja florescente, Virgolinho ainda não entendia porque lhe acontecia isso, não sabia se era da euforia de voltar à Terra ou se apenas se devia à pressão a que tinha sido submetido naquela viagem.

Há muito tempo que Virgolinho se entretinha a viajar entre planetas, desde que ficara viúvo, tornara-se num estudioso da cultura existente nos vários planetas habitáveis, tinha um especial carinho pela Terra porque foi aí que a sua companheira morrera na última viagem que tinham feito juntos, tinha-a enterrado num bosque existente nos arredores de uma grande cidade, esperava  agora poder visitá-la, os corpos mortos, dos da sua raça,  tinham a capacidade de transformar-se naquilo que fossem os seus últimos pensamentos, estava curioso com o que iria encontrar. Apenas uma década passou desde então, poderia ainda não haver tempo para tal alteração, ou o sítio poderia ter sido alterado por outros. Concentrou-se a conduzir a nave enquanto observava uma nuvem rosa de flamingos que regressavam para sul. A Terra continuava sendo um planeta fascinante.

Desatentos

04
Jan22

orquideas.jpg

Fotografia Ondřej Prosický

Era uma vez um caminho que se vestia de musgo durante o inverno, ao longe fazia lembrar o veludo mais fino e delicado  que era vendido nas melhores lojas, por cima dele o orvalho deixava pérolas que se evaporavam ao longo da manhã, alguns insectos bebiam delas com delicadeza ímpar, e no meio daquele tapete um rasgo estragou aquele manto, uma pequena semente espreguiçou-se e duas folhas ergueram-se ao céu. Ao longe um pássaro cantou. 

 

Exótica e esplendorosa,
a orquídea é flor bizarra
que nos deixa intimidados.
Porque é que a mãe natureza
pôs nela tantos cuidados?

É linda como as mais lindas
mas não é nada modesta:
sabe ser a preferida
para uma noite de festa?

Mas as outras flores singelas,
sendo acaso menos belas,
não precisam ter ciúme.

Que afinal a natureza,
se às orquídeas deu beleza,
retirou-lhes o perfume.

 

Poema de Rosa Lobato Faria

 

Já nasceu

Contos de Natal

19
Dez21

IMG_20211219_122447.jpg

Lá fora as folhas que restam das grandes árvores caem apressadas, depois levadas pelo vento rolam velozes pela estrada até se amontoarem junto aos lancis formando assim tapetes dos mais variados castanhos dourados,  de longe a longe vem andando gente pela rua e fazem-se ouvir os estalidos sob os pés, aos poucos as folhas vão-se materializando em pó, elevando-se em partículas e desmaterializando-se do corpo que lhes resta. Regresso então ao livro com a capa vermelha e as letras douradas, e recordo mais uma vez a história contada há tanto tempo sobre um nascimento em Belém, uma história que marcou a diferença em muitas gerações e decisões, e que tem servido de exemplo, que nos anima e nos faz reunir anualmente em família, coloco os óculos e sigo as letras: e eles caminhavam seguindo a brilhante estrela, montados nos seus camelos tinham vindo de muito longe para ver o nascimento do filho de Deus, guiados pelos sonhos e querendo um mundo melhor, trouxeram presentes simbólicos de paz e prosperidade, ao longe avistaram a cabana e deixaram de sentir  o cansaço dos dias em viagem, os animais parecendo que pressentiam a chegada que se adivinhava perto aligeiraram o passo sem que nada lhes fosse dito, num ápice chegaram à cabana que se destacava na paisagem como se fosse um pequeno palácio rupestre cheio de pormenores delicados, duas pequenas árvores ladeavam-na e os seus ramos pareciam abraçados por cima da cobertura deixando algumas folhas a cobrir metade de uma parede, um ninho desocupado permanecia ainda num dos ramos, ao centro uma porta de entrada muito estreita deixava antever uma luminosidade fraca que alumiava o lugar, desceram de cima dos animais e amarraram os camelos nas árvores, entrando por ali adentro sem se fazerem anunciar. Lá dentro viram um homem e uma mulher, que trazia carinhosamente ao colo o seu recém-nascido, um burro e uma vaca aqueciam o lugar, fascinados cumprimentaram-se, e deram as boas vindas àquele Ser minúsculo, quiseram vê-lo de perto, a mãe desenrolou o pequeno corpo e mostrou-o, ficaram ali a olhar tentando recordar o sonho que lhes tinha levado até ali, acreditavam que aquele Ser haveria de mudar o mundo, um deles perguntou-lhes como se chamaria o bebé, foi-lhes dito: Maria.