Singela amizade
Dona flor do beirado
Um feliz encontro
Estava uma linda e temperada manhã de sábado, tenuemente iluminada por um por do sol de Outono, em Sintra. Um grupo de meninos havia-se inscrito para um roteiro cultural sobre um escritor importante, que tinha um nome muito esquisito – Hans Christian Anderson.
O grupo, acompanhado por professores e por um guia, partiu do Palácio Valenças em direcção ao lugar de Santa Maria, construído entre rochas e verdura. É neste local que existe a casa de um tal senhor chamado José O’Neill, onde o ilustre escritor ficara hospedado durante a sua permanência em Sintra.
Quando o grupo percorria a rua em direcção à citada casa, para ver e confirmar a existência de uma placa que recorda o acontecimento, um jovem ouviu uma linda flor silvestre, que vivia num beirado, a cumprimentar alegremente quem passava:
- Bom dia, meninos e meninas…
Aquilo despertou-lhe curiosidade e resolveu prestar mais atenção. Admirado, verificava que nenhum menino respondia à flor, mas ela, desconsiderando a indiferença, insistia:
- Muito bom dia…
Após tanta insistência, um menino, que vim a saber chamar-se Filipe, indignado por ver o desprezo que davam à flor, respondeu cortesmente, enquanto contemplava a sua beleza:
- Muito bom dia, D. Flor… - Sentiu de imediato uma grande alegria inundar-lhe o coração. Caminhava sensivelmente a meio do grupo que se alongava rua acima. A sua conversa com D. Flor provocou alguma perturbação aos viajantes que, olhando para trás na expectativa de compreenderem o motivo do seu súbito desacelerar de passo, não se aperceberam de ter ignorado uma saudação tão singela…!
D. Flor do Beirado, elegantemente vestida e adornada, todos os dias cumprimentava quem passava, sem que alguém tivesse tido a delicadeza de lhe retribuir o cumprimento. Sentia, angustia, os dias passarem. Estava no auge do seu esplendor e não havia alma que se dignasse a olhar para ela! Tinha feito tanto sacrifício para atingir a beleza que evidenciava! Viver num beirado não era o mesmo que viver num vaso, já para não falar na vida confortável que levavam as flores de jardim, com comida e bebida à discrição…
Ali a vida era mesmo difícil. Tinha apenas uns grãozinhos de poeira encravados entre duas telhas que lhe permitiam fixar as suas magras raízes e a humidade das noites de Sintra, para lhe matar a sede. Não conhecia os pais nem a sua história. Como teria ido ali parar a sementinha que lhe dera origem? O vento? Algum passarinho? Como saber, se quando tomou consciência de si, já era uma florzinha a lutar pela sobrevivência?
Agora estava feliz, alguém tinha reparado nela. Sentia que valia a pena viver. Cumprira a sua função – pensava ela -, alegrara pelo menos o coração de um menino. Estava ainda longe de conhecer a cumplicidade e a amizade que iria desabrochar entre ambos, nos dias que lhe restavam de vida…
Entretanto, o Filipe, empurrado pelos que o sucediam, teve de continuar o percurso. Mas, antes, ciciou à D. Flor que voltaria para se conhecerem, pois tinha gostado muito da sua beleza e dos seus modos humildes e carinhosos.
in, O flamingo da asa quebrada, Augusto Carlos