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Alice Alfazema

Recortes do quotidiano: do meu, do teu, do seu, e dos outros.

Alice Alfazema

Recortes do quotidiano: do meu, do teu, do seu, e dos outros.

Singela amizade

10
Mar11

 

 

 

Dona flor do beirado

 

Um feliz encontro

 

Estava uma linda e temperada manhã de sábado, tenuemente iluminada por um por do sol de Outono, em Sintra. Um grupo de meninos havia-se inscrito para um roteiro cultural sobre um escritor importante, que tinha um nome muito esquisito – Hans Christian Anderson.

 

O grupo, acompanhado por professores e por um guia, partiu do Palácio Valenças em direcção ao lugar de Santa Maria, construído entre rochas e verdura. É neste local que existe a casa de um tal senhor chamado José O’Neill, onde o ilustre escritor ficara hospedado durante a sua permanência em Sintra.

 

Quando o grupo percorria a rua em direcção à citada casa, para ver e confirmar a existência de uma placa que recorda o acontecimento, um jovem ouviu uma linda flor silvestre, que vivia num beirado, a cumprimentar alegremente quem passava:

 

- Bom dia, meninos e meninas…

 

Aquilo despertou-lhe curiosidade e resolveu prestar mais atenção. Admirado, verificava que nenhum menino respondia à flor, mas ela, desconsiderando a indiferença, insistia:

 

- Muito bom dia…

 

Após tanta insistência, um menino, que vim a saber chamar-se Filipe, indignado por ver o desprezo que davam à flor, respondeu cortesmente, enquanto contemplava a sua beleza:

 

- Muito bom dia, D. Flor… - Sentiu de imediato uma grande alegria inundar-lhe o coração. Caminhava sensivelmente a meio do grupo que se alongava rua acima. A sua conversa com D. Flor provocou alguma perturbação aos viajantes que, olhando para trás na expectativa de compreenderem o motivo do seu súbito desacelerar de passo, não se aperceberam de ter ignorado uma saudação tão singela…!

 

D. Flor do Beirado, elegantemente vestida e adornada, todos os dias cumprimentava quem passava, sem que alguém tivesse tido a delicadeza de lhe retribuir o cumprimento. Sentia, angustia, os dias passarem. Estava no auge do seu esplendor e não havia alma que se dignasse a olhar para ela! Tinha feito tanto sacrifício para atingir a beleza que evidenciava! Viver num beirado não era o mesmo que viver num vaso, já para não falar na vida confortável que levavam as flores de jardim, com comida e bebida à discrição…

 

Ali a vida era mesmo difícil. Tinha apenas uns grãozinhos de poeira encravados entre duas telhas que lhe permitiam fixar as suas magras raízes e a humidade das noites de Sintra, para lhe matar a sede. Não conhecia os pais nem a sua história. Como teria ido ali parar a sementinha que lhe dera origem? O vento? Algum passarinho? Como saber, se quando tomou consciência de si, já era uma florzinha a lutar pela sobrevivência?

 

Agora estava feliz, alguém tinha reparado nela. Sentia que valia a pena viver. Cumprira a sua função – pensava ela -, alegrara pelo menos o coração de um menino. Estava ainda longe de conhecer a cumplicidade e a amizade que iria desabrochar entre ambos, nos dias que lhe restavam de vida…

 

Entretanto, o Filipe, empurrado pelos que o sucediam, teve de continuar o percurso. Mas, antes, ciciou à D. Flor que voltaria para se conhecerem, pois tinha gostado muito da sua beleza e dos seus modos humildes e carinhosos.

 

 

in, O flamingo da asa quebrada, Augusto Carlos

Mulheres

09
Mar11

“Até à era industrial as mulheres trabalhavam ao lado dos homens, para sustento da família. Durante a idade média ocupavam-se dos campos e oficinas de artesanato dos maridos. No princípio da industrialização trabalhava toda a família, incluindo crianças; em condições e períodos de tempo inaceitáveis hoje em dia. Com o desenvolvimento do capitalismo industrial, a mulher foi afastada das fábricas e passou a: dedicar-se ao cuidado da casa e dos filhos. Esta situação voltou a alterar-se depois das guerras mundiais e, hoje a maior parte das mulheres trabalha em empregos remunerados fora de casa.”

 

É uma linda história se acompanhada de batons e perfumes…Mas, a situação da mulher sempre foi inferior à dos homens, bem como a sua própria remuneração. Aos homens é atribuído funções com maior responsabilidade, ligadas a desempenhos mais interessantes e, melhor remunerados. Numa outra perspectiva, o trabalho doméstico constitui uma importante parcela do trabalho social e representa uma contribuição não contabilizada para qualquer economia; um dos aspectos mais penosos é o facto de não trazer prestígio social - a quem o desempenha.

 

A tudo isto acrescente-se-lhe: o papel da religião, ou a sua opinião; certamente que tem contribuído – e em muito, para a desigualdade entre homens e mulheres. Desde há muito tempo (esquecido), que as mulheres foram torturadas e reduzidas à simples tarefa de procriar, reduzindo as suas opiniões a aparências e a desconexos comentários. A Igreja – que tantas matou -, e que reduz os seus feitos a homens, comandados por eles e por eles orientados; apagou todas, as que se atravessaram no seu caminho, que acto tão bondoso, que inteligência.

 

Como se de outra raça se tratasse…

 

Hoje o papel, não é muito diferente, há muitas mulheres presas – em suas próprias vidas, dentro de suas próprias casas; presas ao sistema, ao dinheiro (que não têm), à violência doméstica, ao medo, ao silêncio e, a uma sociedade hipócrita. Sociedade essa, que cria um dia internacional da mulher, mas, que a abandona nos outros dias do ano; que ignora este sofrimento, renegando-o para segundo plano, num universo de fantasias.